Na última semana, o Governo Federal anunciou a sexta rodada de leilão de aeroportos. Dessa vez, serão 22 aeroportos entregues ao setor privado. O certame está agendado para o dia 07 de abril de 2021. Depois do leilão, 78% do tráfego total de passageiros será entregue à iniciativa privada. Restarão 25 aeroportos sob administração do setor público. Todos eles pesadamente deficitários. A princípio, a imprensa econômica vem aplaudindo a iniciativa privada administrar as infraestruturas aeroportuárias. No entanto, a iniciativa é única em todo o mundo. Muito provavelmente, o Governo terá que se reposicionar no desenvolvimento da infraestrutura aeroportuária em breve, para que o serviço de transporte aéreo seja viabilizado para áreas não viáveis economicamente. Como sempre foi feito no Brasil e no mundo.
A origem da Infraero
Em novembro de 1972, quase 50 anos atrás, o então presidente Médici iniciou o processo de criação da Infraero no Brasil. A sua operação iniciou com o aeroporto de Brasília e com o aeroporto da Ponte Pelada em Manaus. Dois anos depois a empresa já operava 26 aeroportos.
Depois de décadas de construção política e de maciço investimento público, a Infraero estava administrando 68 aeroportos brasileiros no final de 2009. Naquela altura, a grande maioria dos aeroportos eram deficitários e pouco mais de dez eram superavitários. Estes dez aeroportos garantiam que a Infraero fechasse seus balanços positivos, com centenas de milhões de reais disponíveis para mais investimentos. Não é brincadeira não. A Infraero conseguiu, no início da década de 2010, realizar investimentos de centenas de milhões de reais nos aeroportos Brasil afora. Inclusive nos aeroportos menores, como ocorreu em Cruzeiro do Sul no Acre.
Essa operação, de subsídio cruzado, é o que viabilizou a expansão e a operação dos aeroportos brasileiros. Além disso, a Infraero operava também dezenas de terminais de carga e mais de 100 EPTAs (Estações de Prestação de Serviços de Telecomunicações e Tráfego Aéreo).
O início do fim
Essa Infraero foi responsável por levar aeroportos para regiões onde, sem o subsídio cruzado arquitetado nas décadas anteriores, dificilmente existiria infraestrutura aeroportuária. No entanto, em 2009, mesmo ano em que foi inaugurado o novo terminal de passageiros do Aeroporto de Cruzeiro do Sul, no Acre – viabilizado com investimento público – se iniciou o que seria o fim da empresa. Naquele ano a ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) apresentou uma proposta de divisão da Infraero em subsidiárias que teriam seu capital aberto, e futuramente seriam privatizadas.
Logo em seguida, em 2011, foi criada a Secretaria de Aviação Civil, e a Infraero e a ANAC não estavam mais vinculadas ao Ministério da Defesa. No mesmo ano de 2011, o Governo Federal anunciou a concessão dos aeroportos de Guarulhos, Campinas e Brasília. Três dos dez aeroportos que eram superavitários. Ainda em 2011, a Infraero registrou o seu maior volume de investimentos desde sua fundação em um único ano. No mesmo ano que se iniciaram as entregas dos aeroportos para a iniciativa privado, a Infraero havia investido, em um recorde histórico, R$1,145 bilhão.
Então, no ano de 2012, os aeroportos de Guarulhos, Campinas e Brasília foram entregues a empresas privadas estrangeiras. O ano de 2013 foi mais um golpe forte na empresa. O governo entregou também os aeroportos do Galeão (RJ) e Confins (MG). Os aeroportos leiloados eram responsáveis por parcela significativa da arrecadação da empresa. A operação destes cinco aeroportos era responsável por 58% da receita da empresa.
O delírio da eficiência econômica
A primeira privatização aeroportuária da histórica aconteceu com o aeroporto de Heathrow em 1987, no Reino Unido. No ápice do Thatcherismo. No entanto, apesar da pressão que o neoliberalismo tentou impor, o movimento não ganhou tanta aderência, mesmo em governos neoliberais. Reagan, por exemplo, nunca comprou a ideia. Na verdade, poucos países compraram. Ou melhor, se submeteram a isso.
Dos 500 aeroportos mais movimentados de todo o mundo, apenas 39% possuem algum tipo de participação do setor privado. Se formos analisar os 4.300 aeroportos do mundo, apenas 614 têm algum tipo de operação privada, menos de 15%. Esse índice varia muito entre os continentes. A Europa lidera com 43% dos aeroportos com algum envolvimento do setor privado, Ásia sem segundo com 26%, América Latina tem 25%. A África é um dos lugares com menor participação privada, apenas 3% dos aeroportos.
Mas aí você deve estar se perguntando? E os EUA? Bom, os EUA só não perdem para o Oriente Médio. Na América do Norte, apenas 2% dos aeroportos têm alguma participação privada. No Oriente Médio, apenas 1%.
De primeira, chama a atenção o baixo índice de privatização aeroportuária mesmo nos lugares onde – teoricamente – a privatização é o trunfo do sucesso econômico. Não faltam justificativas para os defensores desses rumos: mais eficiência, novos investimentos, maior qualidade do serviço, aumentar os ganhos do setor público e reduzir o tamanho do estado.
Mas não é bem assim. um estudo de Gutiérrez e Lozano (2016) mostrou que, na Europa, a privatização de aeroportos médios e pequenos teve impactos negativos na eficiência dos aeroportos. Foi o mesmo resultado que encontrou a Comissão Europeia a analisar os resultados da privatização dos aeroportos em estudo de 2010. A eficiência econômica da privatização de infraestrutura aeroportuária é um delírio.
Os golpes finais na Infraero
Depois da entrega dos cinco aeroportos responsáveis por quase 60% das receitas da Infraero, restaram os outros 63. A partir de 2013 as margens líquidas e operacionais da Infraero passaram a ser negativas. Ficou fácil então atacar a ineficiência da empresa. A partir daquele ano, iniciou-se um debate sobre o fim da empresa, já que ela só dava prejuízo para o estado nacional.
Não satisfeito, o Governo Federal decidiu pelo golpe final. Em 2017 foi concluído o leilão dos aeroportos de Fortaleza, Salvador, Florianópolis e Porto Alegre. Os quatro aeroportos também haviam sido superavitários no ano de 2016 e eram responsáveis por mais 20% da receita operacional da empresa, com lucro de R$163 milhões no período.
Em 2017, a Infraero virou o patinho feio do Ministério dos Transportes. O Governo Federal, agora com Michel Temer, afirmava que a empresa não era sustentável financeiramente. Afinal de contas, não havia a possibilidade de uma operação com subsídio cruzado, já que aeroportos maiores estavam na mão do setor privado. Como compensar os aeroportos menores e deficitários?
Privatizar o lucro, socializar o prejuízo
Além de se tornar uma empresa deficitária e agora necessitar de recursos do Tesouro para a manutenção dos aeroportos deficitários, a Infraero adquiriu uma nova função a partir da concessão dos seus aeroportos lucrativos: a capitalização de concessionárias.
Entre os anos de 2013 e 2019, de acordo com o Ministério da Economia, a empresa recebeu aporte de mais de R$13 bilhões de reais. Desse total, R$5,6 bilhões foram usados pela Infraero em aportes de capital nas concessionárias dos aeroportos de Brasília, Campinas, Guarulhos, Galeão e Confins. Nestes aeroportos, a Infraero ainda detém 49% de participação. A solução do Governo Federal, ao que tudo indica, vai ser vender o pouco que ainda resta de patrimônio público nestes aeroportos.
Atualmente a Infraero tem cerca de 47 aeroportos sob sua administração. A grande maioria dos aeroportos é deficitário. Como sempre foi e como sempre será. Entre os aeroportos sabidamente superavitários da empresa ainda restam: Congonhas (SP) e Santos Dumont (RJ). O Governo recentemente lançou edital de chamamento público de estudos de viabilidade para subsidiar a modelagem das concessões de 17 aeroportos. Entre os quais estão as "jóias da coroa" da infraestrutura aeroportuária latino-americana. O Governo pretende nessa empreitada entregar 15 aeroportos deficitários e dois aeroportos extremamente superavitários. Ainda restarão alguns aeroportos sob controle da empresa, que anunciou que serão empacotados junto com os aeroportos de Goiânia, Manaus e Curitiba.
O que vem depois?
Estamos muito próximos do fim da Infraero, mas não estamos próximos do fim da participação do estado na infraestrutura aeroportuária. Na verdade, a desorientação iniciada em 2009 provavelmente fará uma nova Infraero surgir em breve. Apesar de o secretário-chefe da Secretaria de Aviação Civil do Ministério da Infraestrutura ter recentemente anunciado que "todos os aeroportos da Infraero deverão ter sido concedidos e transferidos para a iniciativa privada até 2022", a missão não vai ser tão simples.
Recentemente, a concessionária que gere o aeroporto de Campinas, solicitou devolver o aeroporto para o Governo. O grupo argentino que operava o aeroporto de São Gonçalo do Amarante, decidiu este ano devolver o aeroporto para o Governo Federal. Em 2017, o mesmo movimento aconteceu no aeroporto de Guarulhos. Provavelmente em algum momento o governo vai voltar a operar a parte deficitária da infraestrutura aeroportuária. E infelizmente, quando isso acontecer, a inteligência acumulada entre os 14.000 empregados da Infraero já terá sido dissipada. Mas pelo menos, segundo eles, os aeroportos agora têm sinalização em inglês e quiosques do Starbucks.
Comentários
Outro crime lesa-patria chancelado por uma agencia reguladora.