Em artigo escrito no início de 2016, o cientista social britânico William Davies caracterizou a emergência de uma nova e terceira fase do neoliberalismo no mundo. O “Novo Neoliberalismo”(1) , segundo ele, mais do que uma modificação nas regras e instrumentos de política utilizados desde os anos 1980, seria marcado por uma “ética punitiva” na implementação do arsenal de políticas neoliberal.
Segundo sua interpretação, o neoliberalismo teria passado por duas fases importantes antes da atual. Como princípio filosófico que as integraria, a difusão da ideia hayekiana de que o mercado é um melhor processador de informações do que qualquer racionalidade humana. Como corolário, toda forma de ação humana sobre a realidade econômica e política seria inferior ao recurso ao livre mercado como ordenador social (2).
Sob esse mantra, a primeira fase do neoliberalismo, nos anos 1980, teria sido movida pela ética do combate ao socialismo. Para isso foi apresentada uma escolha binária entre neoliberalismo e socialismo, maniqueísmo utilizado como força de combate aos modelos político-econômicos do pós-guerra, nas suas inúmeras vertentes.
Após o fim do socialismo real, antagonista central, as décadas de 1990 e 2000 teriam sido palco da segunda etapa, agora caracterizada pela normatização. A implementação de uma burocracia estatal para auditoria e controle das políticas públicas teria promoviLava Jato, setor petrolífero e novo neoliberalismo no Brasil do a generalização da ótica da eficiência, da lógica de mercado nas instituições públicas (3). Esse avanço do ethos normativo como instrumento norteador da ação política seria o principal responsável pelo que denominou “desencantamento da política”. O papel decisivo da centro-esquerda na implementação deste arranjo, em parte como justificativa para a própria canalização de recursos para atividades socialmente desejáveis, teria promovido um desarranjo nestes partidos, despidos, no pós-crise, de alternativas para oferecer no campo político.
É nesse contexto que o Novo Neoliberalismo teria emergido. Após 2008, repetem-se instrumentos de austeridade e redução do Estado, mas agora ancorados em uma lógica punitiva. Desde então, cessam-se espaços para o controverso, argumentação e debate sobre alternativas. Em seu lugar é erigido um ethos moralizador, acompanhado de um sentimento vingativo, que se impõe através da associação entre dívida (pública) e fracasso. Nas palavras de Davies:
“O que distingue o espírito de punição é sua lógica pós-jure, ou seja, a sensação de que o momento do julgamento já passou e as questões de valor ou culpa não estão mais abertas à deliberação. Da mesma forma, é pós-crítico. Sob o neoliberalismo punitivo, a dependência econômica e o fracasso moral tornam-se emaranhados na forma de dívidas, produzindo uma condição melancólica em que governos e sociedades desencadeiam o ódio e a violência contra membros de suas próprias populações.” (DAVIES, 2016, p. 14).
Pelos exemplos utilizados em seus trabalhos e pela temporalidade de sua periodização, é evidente que o artigo tem como objeto central a análise da Europa e dos EUA. Contudo, as referências conceituais, descrições e associações são incrivelmente pertinentes para a caracterização da atual conjuntura econômica brasileira.
Certamente, qualquer investigação sobre a nossa crise atual e ascensão de políticos com viés econômico ultraliberal deve analisar a lógica e consequências da Operação Lava Jato.
As últimas semanas vêm sendo particularmente importantes por desnudarem, com vazamentos de trechos de conversas em aplicativos de celular, as relações e procedimentos indevidos executados, ao longo da operação, por parte de procuradores e do ex-juiz Sergio Moro. A cada nova divulgação são colocados novos elementos para interpretar os diferentes aspectos (econômicos, jurídicos e políticos) da nossa realidade atual.
Muito já foi dito sobre a relação entre Lava Jato e seus impactos na economia brasileira. Ao longo dos últimos anos, essa temática foi abordada sistematicamente por consultorias e instituições de pesquisa. De modo geral, como o foco das investigações esteve, na esfera privada, centrada sobre a corrupção em contratos da Petrobras e fornecedores, especialmente construtoras, centenas de projetos foram paralisados.
Já em 2015 a Consultoria GO Associados previa um impacto de 2,5% do PIB (4). Mais recentemente, trabalhos do INEEP (5) estimaram uma queda de 2% do PIB em investimentos da Petrobras e 2,8% do PIB em investimentos de empreiteiras em 2015. Adicionalmente, para 2016 estimou-se impacto de 5% do PIB no investimento nacional.
A redução de investimentos da Petrobras produziu consequências drásticas sobre a cadeia de fornecedores. O setor naval, que chegou a empregar aproximadamente 85 mil pessoas em 2014, tem hoje cerca de 23 mil funcionários. Trinta estaleiros foram fechados ou ficaram sem encomenda alguma (6). Parte dos principais e mais modernos, adicionalmente, tinham como sócios algumas das empreiteiras envolvidas na Lava-Jato, o que provocou um efeito combinado de crise. Alguns eram responsáveis pela construção de cascos e/ou módulos de plataformas e foram paulatinamente reduzindo suas atividades. Os efeitos sobre a cadeia como um todo só não foram piores porque o governo acelerou recentemente as concessões, já com maior presença de petrolíferas estrangeiras.
Certamente, os reais impactos da Lava Jato são difíceis de precisar.Pouco depois que a Lava-Jato foi desenrolada, em 2014, os preços de petróleo sofreram queda abrupta, caindo de patamar próximo aos US$ 100 para um novo 50% inferior. A indústria mundial de petróleo reduziu investimentos e, mesmo em condições normais, alguma queda dos investimentos da Petrobras seria previsível. Menos sujeita a questionamentos, a lentidão em viabilizar acordos de leniência para empresas investigadas pode ser apontada como propulsora da crise. Este desarranjo provocou desequilíbrios financeiros em construtoras nacionais, processos de recuperação judicial e crise em empresas de infraestrutura sob seu controle.
Contudo, mais do que o cálculo efetivo dos efeitos no PIB, a centralidade da Petrobras no embate político trouxe consigo a desconstrução da ideia da estatal como orgulho nacional e como possível agente/instrumento de desenvolvimento nacional.
A natureza da “defesa” da Lava Jato (7) ilustra esse ponto. A ideia de que a refundação do Brasil, livre de corrupção, seria a única forma de retomar a credibilidade e o investimento foram amplamente difundidas. Os efeitos acumulados sobre o PIB, emprego e empresas, seriam, portanto, desejáveis. As empresas e o Brasil mereceriam essa “punição” e ela seria, ao fim e ao cabo, redentora.
Como descreve recente texto para discussão do IE/UFRJ (8) , a Lava Jato foi imbuída de uma missão: separar as relações entre o público e o privado e moralizar o país. Contudo, “passar o Brasil a limpo” seria um fim em si mesmo. Não há projeto de país. A combinação entre ausência de projeto de nação e moralismo se sustentam na ideia de que sem a interferência política espúria, a economia resolveria sozinha nossos problemas. Essa combinação explicita um viés ético similar ao descrito por Davies (2016) para o Novo Neoliberalismo.
Como ilustrado, a Lava Jato operou como amálgama para a nova onda de difusão dessa ideologia no país. Antes dos recentes vazamentos, a isenção jurídica da operação justificou ataques à Petrobras e construtoras, bem como uma reorientação neoliberal das políticas públicas.
Valendo-se da “culpa” pela dívida da estatal e da ideia de que estava “quebrada” (fracasso econômico), autorizou-se acriticamente um processo de venda de ativos da empresa nos mais diversos segmentos de atuação, num processo de “privatização fatiada”.
A ideia de privatização, amplamente rejeitada nos pleitos entre 2002 e 2014, tornou-se objeto desejável por uma parcela crescente da população. Nesse ambiente se insere o combate à regra de conteúdo local, a autorização legal para venda de ativos da Cessão Onerosa e o fim da regra de operador único nos campos do Pré-Sal. José Serra, autor desta última proposta, retornou recentemente com novo projeto: extinguir definitivamente a consulta previa à Petrobras sobre seu interesse em ser operadora. Como argumento, apresentou: “Os interesses da Petrobras e da União estão em lados opostos”.
Além de ampliar o espaço para a entrada de empresas estrangeiras, incluindo a recente aceleração dos leilões (9) , a retirada da Petrobras como operadora reduz a potencialidade da política industrial. Como o operador define o arranjo tecnológico a ser utilizado, a presença de múltiplos operadores dificulta a utilização das encomendas como instrumento de promoção de aprendizado e escala operacional em segmentos/empresas nacionais.
Neste sentido, além do amplamente discutido efeito sobre setor produtivo, emprego e PIB, a Lava Jato operou como legitimadora da nova fase do neoliberalismo no país, recorrentemente derrotado eleitoralmente até 2014. Ao contrário dos países centrais, nos quais o Novo Neoliberalismo originou-se em 2008, quando o problema do endividamento veio à tona, em nosso caso o debate sobre dívida pública e da Petrobras ganhou força somente em 2014, ano de início da Lava Jato. Desde então, imbuídos de um “punitivismo vingativo”, passamos a destruir os instrumentos de ação social e econômica do Estado. Passamos a acreditar que a privatização fatiada de nosso setor petrolífero, a redução de importância das empresas nacionais e mesmo a queda brutal nas condições de vida no país sejam parte de um processo redentor. Por isso, antes de que efetivamente seja possível retomar o controle sobre os destinos do setor petrolífero brasileiro, faz-se urgente refletir em que condições faremos o povo brasileiro voltar a acreditar em seu potencial, em sua capacidade de construir seu próprio desenvolvimento a partir do planejamento e de um projeto nacional.
* José Augusto Gaspar Ruas é doutor em Teoria Econômica pela Unicamp e professor e coordenador adjunto no curso de Ciências Econômicas das Faculdades de Campinas.
1 DAVIES, William The New Neoliberalism. New Left Review, 101, set/out 2016.
2 Para uma análise adicional sobre interpretações do neoliberalismo e das visões sobre o Neoliberal Thought Collective, veja-se MIROWSKI, Philip, Hell is Truth Seen Too Late. University of Notre Dame, julho de 2017.
3 Uma análise sobre esse ponto também pode ser encontrada em DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A Nova Razão do Mundo: Ensaio sobre a sociedade Neoliberal. São Paulo, Boitempo, 2016.
4 FOLHA DE SÃO PAULO (FSP) Impacto da Lava Jato no PIB pode passar de R$140 bilhões, diz estudo (11/08/2015). Nesse mesmo estudo, que levou em conta principalmente a redução dos investimentos da Petrobras, a estimativa de queda de impostos chegaria a R$ 9,4 bilhões e de empregos atingiria 1,9 milhões.
5 NOZAKI. INEEP: Os impactos econômicos da Operação Lava Jato e o desmonte da Petrobras, publicado no Jornal GNN (26/08/2018)
6 FOLHA de PERNAMBUCO Sinaval pede apoio para recuperar a indústria naval, (05/09/2018)
7 Veja PINHEIRO, Armando Castelar A Lava Jato e o PIB. Publicado em Valor Econômico (01/04/2016), ou ISTOÉ DINHEIRO, A Lava Jato está corroendo o PIB. E daí? Publicado em 02/06/2017.
8 PINTO (et al) A Guerra de Todos Contra Todos e a Lava Jato: a Crise Brasileira e a vitória do Capitão Jair Bolsonaro. IE/UFRJ, Texto para discussão 13, maio de 2019.
9 NOZAKI (et al) Caminhos e descaminhos da gestão do pré sal: entre a soberania e a subordinação. INEEP, agosto de 2018
Fonte: Jornal do Corecon-RJ
Comentários
E para concluir, se vão passar os próximos 3,5 anos que faltam para nos livrarmos deste governo proto-fascista, usando o PT como desculpa por não fazerem nada, então é melhor caírem fora, esta falácia já está muito manjada, não vai colar mais.
Em tempo: que elegeu o Temer foi você e seu partido de m...
É só ler o noticiário: nepotismo, revisionismo, aparelhamento das instituições, perseguição à jornalistas, a minorias, a opositores, a membros do STF, a técnicos e gestores dos órgãos de informação e estatísticas, das comissões de investigação de crimes do regime militar, etc, etc, temperados com falas diárias do seu presidente propondo violações flagrantes da constituição, incitando ao ódio, ao descrédito das instituições e negando acintosamente dados e fatos gerados por técnicos de seu próprio governo.
Se permitirmos que este demente continue "a trabalhar" a história da Alemanha nazista vai se repetir e produzir sua versão sul-americana.
Vai para as ruas, forma um grupo armado, vai dar certo...
Só mimimi esquerdofrênico...chora mais, MAV do PT!
Típica fala de fascista, só esperando a grande chance de dar vazão aos seus instintos mais baixos. Um exemplo do que virá se deixarmos a onda nos levar.
Enquanto o Brasil ainda for um estado de direito, podemos derrubar este presidente do mesmo modo que Dilma e Collor foram depostos: impeachment. Motivos ele já deu de sobra, até por falta de decoro. Não é preciso matar ninguém, seu Pimenta. Impeachment é um ato político mais do que um ato judicial.
"Um dia vieram e levaram meu vizinho que era judeu.
Como não sou judeu, não me incomodei.
No dia seguinte, vieram e levaram
meu outro vizinho que era comunista.
Como não sou comunista, não me incomodei.
No terceiro dia vieram
e levaram meu vizinho católico.
Como não sou católico, não me incomodei.
No quarto dia, vieram e me levaram;
já não havia mais ninguém para reclamar...
Martin Niemöller - 1933 - Símbolo da resistência aos nazistas.
Tu é muito paranóico ou otário mesmo!
Chama os outros de fascista e apoia o comunismo! Piada pronta!
Ah, conheço uma historinha similar ocorrida em 1917 na antiga Rússia!
Você não sabe diferenciar regimes de governo de políticas de governo, que tem a ver com o papel do estado na promoção do bem estar social versus estado mínimo regido exclusivamente por leis de mercado.
Para você todo aquele que é de esquerda é comunista, que é uma forma de simplificação utilizada pelos que tem preguiça de estudar. Simplificando, para você entender, um Bolsominion.
Por outro lado, há inúmeras manifestações suas nestes mesmos fóruns, pregando ódio e perseguição a opositores: "São jararacas que vão perder a cabeça em breve" no seu comentário acima é só um exemplo. Chamar você de fascista não é pejorativo no seu caso, é um adjetivo adequado.
Nossa, não sei diferenciar regime e política...você devia tentar adivinhar os números da Mega Sena! Um governo de direita não precisa ter uma política “exclusivamente” por leis de mercado. Só os idiotas pensam ou falam isso!
Para você, todo o aquele que não quer o retorno do PT ao poder é fascista ou “bolsominion”, que é uma forma de simplificação para quem foi sodomizado pelos ouvidos pela ideologia marxista. Simplificando, para você entender, um completo imbecil!
A sua laia adora dizer que seus opositores pregam o discurso de ódio, mas não sou eu que vem aqui destratar e xingar o atual Presidente ou chamar os opositores de entreguistas, vermes etc. Deixa de ser canalha!
Chamar você de comunista babaca não é pejorativo no seu caso, é um adjetivo adequado.
Que bom poder repitir essa resposta!
Rol de ditaduras recentes da América do Sul (séculos XX e XXI):
De Direita: Argentina (1930-38), (1966-73), (1976-83) Bolívia (1971-85) Brasil (1964-85) Chile (1973-90) Colômbia (1953-57) Cuba (1933-59 Batista) República Dominicana (1930-61) El Salvador (1931-79) Equador (1972-79) Guatemala (1954-96) Haiti (1988-90) e (1991-94) Honduras (1963-74), (2018-hoje) Nicarágua (1925-36), (1936-78) Panamá (1968-89) Paraguai (1954-89) Peru (1968-80) Uruguai (1973-84) Venezuela (1948-58). Total: 23 ditaduras, 392 anos.
De Esquerda: Argentina (1955-58) Brasil (1937-46) Costa Rica (1953-80) Cuba (1959-hoje Fidel) Nicarágua (1978-85) Suriname (1980-88) Venezuela (2002-hoje). Total: 7 ditaduras, 131 anos
A direita ganha “de lavada” em gosto por ditaduras.
Alguns adjetivos seus dados a opositores:
“completo imbecil!”, “comunista babaca”, “canalha!” (todos nesta mensagem acima), “verme vermelho!”, “esquerdofrênico”, “PTralha”, “F#@$-#e!”, etc, a lista é longa, não cabe em 1000 caracteres.
Se orienta, cara, está pagando mico de graça.
"Que bom poder" repEtir "essa resposta!"
E para adiantar a conversa que já está ficando para lá de monótona e poupar espaço de comentários no forum:
Eu não sei quanto a você, mas eu estou é me divertindo.
Refutar seus "argumentos" é muito fácil.
É quase uma covardia. Sinto até vergonha.
Até vou parar por aqui, todos nós já perdemos muito tempo contigo.