Há pelo menos duas décadas que o tema da desindustrialização no Brasil é objeto de estudo e preocupação de economistas das mais distintas correntes de pensamento. Durante algum tempo os estudos enfocaram a própria existência, ou não, do fenômeno; bem como a forma mais adequada de evidenciá-lo e medi-lo (Rowthorn, Ramaswamy, 1999; Tregenna, 2009). Além disso, discutia-se também se a desindustrialização, caso comprovada, teria alguma relevância, ou não, para o processo de desenvolvimento do país.
Quanto à existência do fenômeno, e depois de muitas pesquisas e estudos, parece que hoje já não há mais dúvidas: a queda da participação da indústria, em particular a indústria manufatureira (em termos de valor adicionado e emprego), no conjunto da economia (PIB e emprego total) é um processo que vem desde os anos 1980, quando das crises da dívida externa e do padrão de desenvolvimento de substituição de importações; tendo se acelerado e aprofundado a partir dos anos 1990 – com a constituição e consolidação de um novo padrão de desenvolvimento, de caráter liberal-periférico (Filgueiras, 2006).
Em estudo recente, difundido pelo IEDI, os autores (Morceiro, Guilhoto, 2019) fazem uma avaliação do desempenho da indústria brasileira ao longo das últimas sete décadas (1947 a 2018), evidenciando dois períodos radicalmente distintos. No primeiro Padrão de Desenvolvimento Brasileiro e Desindustrialização (1947-1980), a economia brasileira, liderada pela indústria, obteve as maiores taxas de crescimento do mundo, quando então internalizou todos os setores relevantes da 2ª Revolução Industrial e aproximou sua renda per capita da dos países capitalistas centrais. No segundo período (1980-2018), iniciou-se e aprofundou-se o processo de desindustrialização, com o país apresentando taxas de crescimento da economia inferiores às da economia mundial e mesmo das dos países da periferia; e com o setor industrial perdendo participação na formação do PIB (19,7% para 11,3%) e deixando de liderar a dinâmica econômica.
Com relação à relevância do fenômeno, nas correntes de pensamento heterodoxas, a indústria é considerada um setor produtivo especial, pois é a fonte do crescimento de longo prazo; portanto, a composição setorial da produção de um país importa e muito. Ela pode fazer a diferença entre uma inserção internacional virtuosa ou não, entre uma estrutura produtiva diversificada e mais dinâmica ou não, entre estar na fronteira tecnológica ou não, entre um país com vulnerabilidade externa significativa ou não; em suma, ela é decisiva para a qualidade e intensidade do crescimento e do desenvolvimento econômico.
E as razões para a indústria ser um setor especial se devem a quatro de suas características (Oreiro, Feijó, 2010): 1- os seus efeitos multiplicadores dinâmicos para o conjunto da estrutura produtiva são mais fortes do que os de outros setores; 2- destaca-se pela presença de economias de escala (estáticas e dinâmicas), o que significa que sua produtividade cresce com o aumento da produção; 3- maior capacidade de geração e difusão (para outros setores) de progresso técnico; 4- a elasticidade-renda das importações de produtos industriais é maior do que a dos produtos primários e a das commodities – o que reduz a vulnerabilidade externa do país.
Nesse debate, a referência, como sempre, é o processo de desenvolvimento capitalista ocorrido nos países centrais, nos quais se
identifica, desde os anos 1960/70, um processo de desindustrialização considerado “natural” ou “positivo”, ou seja, que passou a ocorrer quando esses países já tinham alcançado um elevado nível de renda per capita e com a manutenção de segmentos industriais e de serviços com maior intensidade tecnológica. Portanto, um sintoma de vitalidade e elevado grau de competitividade da economia, que reflete um processo de “especialização” e qualificação de suas economias; de forma semelhante de quando de suas passagens de uma economia agropecuária para uma economia industrial.
No caso do Brasil, entretanto, o processo de desindustrialização em curso há quatro décadas se caracteriza pelos seguintes aspectos: 1- Esse processo de desindustrialização não significa um estágio “natural” que todo país deve passar a partir de certo momento do seu processo de desenvolvimento, ao atingir um determinado ní-vel de renda per capita (desindustrialização positiva); ao contrário, ele expressa um processo estrutural de reprimarização e especialização regressiva da economia brasileira (desindustrialização “negativa”). 2- A razão dessa desindustrialização não decorre, portanto, de um estágio mais elevado de desenvolvimento do país, mas é consequência da economia brasileira ter sido “contaminada” pela doença holandesa. 3- Há uma relação entre a natureza da inserção do país na economia internacional e o processo de desindustrialização. 4- Há uma relação direta entre esses fenômenos e as políticas macroeconômicas implementadas desde o início dos anos 1990.
No estudo mencionado acima, ao fazerem uma abordagem setorial do processo de desindustrialização no Brasil, os autores lançam luz sobre a sua qualidade, ou seja, identificam os setores nos quais esse processo pode ser considerado “normal” e aqueles nos quais a desindustrialização é “prematura” e, portanto, indesejada. Nesse recorte de análise, a gravidade do processo de desindustrialização se evidencia de forma incontornável e de forma mais grave: enquanto os setores de menor intensidade tecnológica seguem uma trajetória de desindustrialização “normal” (tendo por base a relação participação setorial no PIB/nível de renda per capita dos países); os setores intensivos em tecnologia e conhecimento apresentam uma desindustrialização “prematura”, com uma perda de 40% na formação do PIB desde 1980.
Em suma, o processo de desindustrialização no Brasil é concomitante à incapacidade do país de internalizar os setores industriais da
3ª Revolução Tecnológica e muito antes da agora denominada Indústria 4.0 da era digital, da internet das coisas, do big data e da inteligência artificial (os algoritmos) etc. Portanto, a distância do país da fronteira tecnológica é enorme e sem perspectiva de aproximar-se; somos consumidores de produtos típicos dessas duas revoluções tecnológicas, mas não seus sujeitos produtores. O processo de especialização regressiva da economia brasileira se expressa na pauta de exportação do país, dominada por commodities industriais e agrícolas, e nos déficits crescentes na balança comercial setorial dos produtos de alta e média-alta intensidade tecnológica.
As razões que alimentam o processo de desindustrialização são de duas ordens, em que pese terem sido elaboradas e implementadas, ao longo de todo o período aqui mencionado, inúmeras políticas industriais. A primeira, de natureza histórico-estrutural, decorre do desenvolvimentismo associado predominante desde o Plano de Metas de Juscelino, no qual as corporações multinacionais aceleraram a industrialização e passaram a dominar os setores mais dinâmicos da indústria brasileira. Daquela época até o início dos anos 1980, suas estratégias de difusão da 2ª Revolução Tecnológica convergiram com o projeto desenvolvimentista, levado a cabo pelos sucessivos governos que dirigiram o país, e soldaram de vez a aliança entre o grande capital internacional e as frações mais relevantes da burguesia brasileira.
Contudo, as grandes mudanças ocorridas, nas últimas décadas, na dinâmica mundial do capitalismo (em especial na sua esfera financeira) e nas estratégias dessas corporações (no que se refere à difusão do progresso técnico) inviabilizaram a continuação da industrialização brasileira, impedindo o seu avanço para etapas mais
avançadas do progresso tecnológico (Arend, Fonseca, 2912).
A segunda ordem de razão se relaciona à resposta que foi dada à crise do Padrão de Desenvolvimento de Substituição de Importações, com a constituição do Padrão de Desenvolvimento Liberal-Periférico – a forma assumida pelo neoliberalismo e suas políticas no Brasil a partir de 1990.
A abertura comercial-financeira, associada a reiterados ciclos de valorização cambial; o processo de privatização de empresas estatais; os sucessivos ajustes fiscais e regimes de política macroeconômica com predominância de elevadas taxas de juros; e a redução da capacidade do Estado em direcionar o processo de desenvolvimento foram fatores decisivos na evolução do processo de desindustrialização do país (Palma, 2005).
Essas duas ordens de razão para a desindustrialização têm subjacente, do ponto de vista político-social, a inexistência no Brasil de uma burguesia forte, comprometida com um projeto de nação, se colocando como liderança desse projeto – tal como ocorreu historicamente nos países centrais do capitalismo, e como está ocorrendo com a China contemporaneamente. Em razão disso, como identificou Caio Prado Jr., nós nos constituímos como uma nação incompleta, que sempre teve a maior parte de seu povo à margem dos frutos do processo de desenvolvimento do capitalismo.
Essa é a consequência maior de sermos um país capitalista dependente (periférico), cuja burguesia, em seu cosmopolitismo, só concebe sua existência integrada ao imperialismo de forma subordinada e dependente, mas apartada da maioria da população do país.
O processo político recente, que desembocou no impeachment de Dilma Rousseff e a implementação de um ajuste fiscal por 20 anos; além da Reforma Trabalhista já aprovada; a entrega do pré-sal ao capital estrangeiro; a desestruturação da cadeia produtiva do petróleo e o término da política de conteúdo nacional; a proposta da Reforma da Previdência em discussão; e a intenção de desmonte dos bancos públicos (a começar do BNDES) e demais empresas estatais evidenciam de forma cabal a natureza da burguesia brasileira, em especial a sua fração hegemônica cosmopolita.
Com Michel Temer e, agora, Jair Bolsonaro, eleito com o apoio decisivo das distintas frações da burguesia brasileira (financeirizada e de negócio) de olho na dilapidação do “fundo público” e aprofundamento das contrarreformas neoliberais, estamos atingindo o “fundo do poço”. A especialização regressiva da economia brasileira, assim como o seu processo de desindustrialização, se aprofundará.
A reforma da previdência, assim como a reforma trabalhista já se evidenciou, é um “conto do vigário”: não haverá qualquer tipo de “crescimento autossustentado”, seja lá o que isso signifque. Do ponto de vista estrutural, restará, numa perspectiva otimista, apenas o consumo das tecnologias da Indústria 4.0, que não produzimos, com a modernização de alguns segmentos produtivos e sua inserção nas cadeias globais de valor em seus estágios inferiores.
Fonte: CORECON-RJ
*Luiz Filgueiras é professor titular da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia
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A OPERAÇÃO LAVA A JATO FAZ SEUS PRIMEIROS" SUCESSOS" NO CAMPO DOS PREJUÍZO ÀS MULTINACIONAIS BRASILEIRAS DE SUCESSO NA ÁREA DA ENGENHARIA.
HOJE, 02-06-2019, OUVINDO A BAND NEWS TV, QUE DÁ ESPAÇO A ESSE TIPO DE GENTE, UNS LESA-PÁTRIA COMENTARAM QUE "É NECESSÁRIO QUE SE CONTRATE MULTINACIONAIS ESTRANGEIRAS DA CONSTRUÇÃO CIVIL PARA AS GRANDES OBRAS QUE O BRASIL NECESSITA E QUE DARÃO EMPREGO À MÃO DE OBRA MAIS HUMILDE".
NO AUGE DA LAVA JATO, UMA EMISSORA, ACHO QUE DISCOVERY, MOSTRAVA AS "PROEZAS" DESTAS EMPRESAS NOS ESTADOS UNIDOS. COMO NESTE CAMPO NÃO TEM 0800, PROPOREI QUE A AEPET E O CLUBE DE ENGENHARIA FIQUEM ALERTAS A MAIS ESTE DESMONTE. LUTEMOS PARA QUE SERGINHO MORO, SE GANHAR, QUE NÃO LEVE.