Muitas promessas acompanharam a privatização do setor de telecomunicações no Brasil, no final dos anos 90: livre concorrência, ampliação do acesso aos serviços, barateamento das tarifas, redução da dívida pública, avanço tecnológico e um serviço melhor.
Quem era contra sustentava que o fim do monopólio estatal não podia ser confundido com a entrega do setor para empresas privadas.
Passados 20 anos, dados da Anatel apontam que 2.221 municípios brasileiros de péssima qualidade (menos de 5 Mbps) e 2.345 não possuem rede de transporte com fibra óptica.
São cada vez mais frequentes as reclamações pelos serviços prestados na telefonia, enquanto temos, no Brasil, uma das tarifas mais caras do mundo.
Será mesmo que a venda da Telebrás foi o sucesso que se propagandeia no meio liberal?
Para discutir o assunto, o Brasil de Fato entrevistou o economista João Batista Santiago.
Para ele, o avanço tecnológico e os investimentos públicos produziram benefícios que depois foram apropriados pelas empresas do setor privado, sem grandes retornos para a população e o desenvolvimento nacional.
Qual era a situação do setor no Brasil nos anos 90? Por que a privatização interessava às empresas que participaram do leilão de 1998?
Em 1991, pouco antes do impeachment do ex-presidente [atual senador] Fernando Collor (PRN), o Banco Mundial pressionava o governo brasileiro a assinar um acordo de privatização do sistema de telecomunicações.
A privatização ocorreu sete anos depois. Havia ocorrido uma queda nos custos de instalação, por conta do avanço tecnológico da década de 80, especialmente com o advento da telemática (combinação entre telecomunicações e informática).
Na década de 1970, instalar um telefone na casa de uma pessoa, em BH, custava 5 mil dólares. Em 1998, passou a custar 20 dólares.
Os mais velhos devem lembrar que, em determinada época, as pessoas deixaram de comprar telefone, passaram a alugar. Depois, até a tarifa básica desapareceu e as pessoas só pagavam por chamada.
Ora, a diminuição de custos aconteceu pelos investimentos que foram feitos no Brasil nos anos anteriores.
O sistema Telebrás era altamente eficiente. Depois das quatro grandes gigantescas dos Estados Unidos, era uma das melhores empresas do mundo.
Em 1998, a Telebrás deu mais lucro que a Coca-Cola internacional. Tinha problemas? Sim. No Rio de Janeiro, a Telerj era fraca, pois o regime militar abandonou o estado em termos de investimentos em telecomunicações.
O sistema Telebrás tinha empresas muito lucrativas, especialmente Telemig, Telesp e Teleparaná, algumas menores no Nordeste, que também davam lucro.
Não podemos esquecer a Embratel, que foi a primeira empresa criada para ligações internacionais e longas distâncias, com grandes radiotransmissores.
A Telebrás deu em 1998 um lucro de 2 bilhões de dólares e foi vendida por 19 bi.
Estamos falando de empresas que davam muito lucro, por terem uma gestão muito fiscalizada pelo Tribunal de Contas, que pagavam muitos impostos e muitos dividendos para a União.
Eu trabalhava no setor de estudos de viabilidade econômica de projetos. Como estatal, o estudo de viabilidade partia de rentabilidade de 12% ao ano. Após a privatização, eles só aprovavam projetos com rentabilidade acima de 24% ao ano.
Como você tem uma rentabilidade de 24% em Santana do Garambel, em Lagoa Dourada, em Raposos?
Então, a empresa muda o foco, de quem pensava que tinha um déficit de acompanhamento, com necessidade de alguma forma de subsídio cruzado para expansão, para uma empresa cujo foco exclusivo é o lucro.
Tínhamos uma empresa altamente lucrativa, com desenvolvimento tecnológico nacional para construção de fibra ótica, centrais telefônicas digitais e investimento social.
Quem começou a arrebentar esse centro de pesquisas para o desenvolvimento das telecomunicações foi o governo Collor, em 1991.
Então, houve retirada de investimentos para viabilizar as privatizações?
O que houve, na verdade, foi redução de custos, especialmente trabalhistas, terceirização, precarização do trabalho, com contratação de empreiteiras, planos de demissão voluntária e incentivada, por um lado, e muitos investimentos, embarcando tecnologia, aumento de investimentos públicos, para depois privatizar a preço de banana.
Arrumaram a casa, deixando-a cada vez mais eficiente para vender. Na Lei Geral de Comunicações, e 1997, havia um plano com metas para a telefonia fixa cumprir, de oito a dez anos.
A Telebrás já tinha feito, em alguns lugares, entre 60% e 80% dos investimentos em digitalização.
Na privatização, venderam por 19 bi e liberaram empréstimos de 11 bi pelo BNDES, para financiar as empresas.
E o ex-ministro Pedro Malan, depois da privatização, tomou medidas para permitir que as empresas descontassem o ágio (diferença entre o valor total das ações e o valor patrimonial) em impostos devidos à União.
O governo pegou 11 bilhões de dólares e os devolveu pelo BNDES, além do ágio. Então, não entrou nada para o país na privatização da quinta melhor empresa do mundo no setor.
E as empresas privadas que hoje dominam o setor no Brasil? Elas dependem de recursos públicos?
De financiamento, sim. Recentemente, a Oi estava quebrando e o governo estava prevendo liberar outro empréstimo gigantesco para a Andrade Gutierrez, que foi quem acabou ficando com o controle acionário da Oi.
A telecomunicação fixa entrou em processo de decadência, pois, hoje, depende-se muito mais da internet. A NET é da Globo.
A Telemig já tinha passado seus próprios cabos para competir com a NET, só que, na época, foi baixado um decreto proibindo as empresas de telecomunicações locais de criarem suas próprias empresas de transmissão de dados e TV a cabo.
Tudo isso para impedir uma empresa estatal que tinha grande eficiência de competir no mercado com as privadas – e eu duvido que as privadas conseguissem fazer frente a ela.
Os defensores das privatizações alegam que o acesso à telefonia no Brasil foi ampliado. Ficou mais rápido e barato adquirir uma linha. Isso é, de fato, consequência das privatizações?
Não é questão de ser privado ou estatal, foi a tecnologia. Isso graças ao que aconteceu na década de 80, com o desenvolvimento da telemática, dos softwares, dos novos hardwares, a tecnologia digital, causando uma mudança total no sistema de telecomunicações.
Bom, se tínhamos capacidade de investimento, capacitação dos trabalhadores e a tecnologia chegou de maneira muito mais barata, passou a ser possível atender de forma muito melhor.
Na década de 90, foram feitos investimentos para que a empresa chegasse onde ela chegou, com o Estado deixando de investir em habitação, saúde, hospitais e com endividamento, a fim de criar redes com milhares de quilômetros de fios e rádios, interligando estações, centrais telefônicas nas cidades.
A telefonia celular não teve um plano. Os governos estaduais, para levar as antenas para o interior, tiveram que gastar recursos públicos.
Havia nos celulares a questão da transferência de tecnologia e produção no Brasil de telefones.
Hoje, o Brasil é um grande montador, mas não tem pesquisa em desenvolvimento de tecnologia. O Brasil é um grande importador de tudo.
E o que a privatização da Telebrás mudou na vida dos trabalhadores do setor? E na economia brasileira?
A empresa sai da década de 1980 com 7 mil trabalhadores diretos para chegar aos anos 2000 com cerca de 1,5 mil trabalhadores diretos, mais 5 mil indiretos, terceirizados ou quarteirizados.
Em 1999, um ano após a privatização, houve um incêndio na Praça Milton Campos, em BH. Eles já havia demitido os trabalhadores diretos.
Acionaram um rapaz que não conhecia o tipo de chama desses incêndios em centrais digitais. Ele entrou na estação, fechou a porta, não conseguiu enxergar o fogo e morreu queimado.
Houve precarização do trabalho nos postes. Os trabalhadores da Telefónica, que comprou a Telesp, subiam no poste e as pessoas jogavam pedras neles.
Eram trabalhadores sem qualificação profissional e, quando iam ligar um telefone, desligavam os outros.
Quando o ex-presidente Itamar Franco (PMDB) entrou o governo federal para Fernando Henrique Cardoso (PSDB), a carga tributária no Brasil era de 25% do PIB.
Quando este entregou para Lula (PT), era 36%. Porém, o endividamento do Estado brasileiro saltou. Com todas as privatizações feitas com a desculpa de diminuir a dívida pública, o endividamento só aumentou.
Só diminuiu no governo Lula, quando o PIB passou a crescer mais do que a dívida.
Como você avalia a regulação do setor pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel)?
Esse modelo partiu da Suécia e a experiência foi para outros países. Aqui no Brasil, ele não funcionou.
A relação que se tem entre empresas privadas e o Estado brasileiro é muito forte.
No livro de presença da Anatel, quem mais entrava para visitar os diretores e conselheiros eram empresas, muito mais do que clientes das empresas. Para você fazer uma reclamação e isso dar resultado, é péssimo.
Nos primeiros anos, não foram feitos concursos públicos para fiscalização. Quem fiscalizava eram engenheiros eletricistas contratados pela agência. Eles chegavam a uma empresa com a carteira da Anatel para fazer a fiscalização.
Se o cara multasse a empresa, o que acontecia com o nome dele no mercado? E o cara não tinha estabilidade nenhuma, quando acabasse o contrato dele na agência, onde ele iria trabalhar. Empresas criavam listas sujas com nomes das pessoas e essas pessoas eram constrangidas, ao fazerem fiscalização.
Criaram o conselho de clientes. Na época FHC, o presidente do conselho de clientes, nomeado pelo presidente da República, era dono de uma empresa que prestava serviços de telecomunicações para o governo. Então, estava tudo dominado.
A ideia da regulação parte de uma teoria da neutralidade, supondo que se pode distribuir bem estar, não deixando que o poder das empresas faça o preço subir demais ou a qualidade cair.
Ora, a qualidade das fixas caiu violentamente e, na telefonia celular, o Brasil tem uma das tarifas mais caras do mundo e áreas de abrangência repletas de falhas.
Não houve por parte da Anatel nenhuma meta para esse setor. Quando eu trabalhei na Telemig, em 1998, o setor de tecnologia da empresa já previa o fim do telefone fixo dentro das casas.
Hoje, quase ninguém tem telefone fixo em casa. As pessoas falam mais pelo WhatsApp do que pelo telefone fixo.
O avanço tecnológico que veio de fora não foi apropriado pelas empresas que exploram telecomunicações no Brasil, o serviço é de péssima qualidade.
Embora nós tenhamos 225 milhões de chips ativos, mas isso não quer dizer que tenhamos uma área de abrangência razoável. Ande com o celular falando dentro do metrô, do ônibus.
Há vários buracos. Se isso acontece, é porque não houve o investimento necessário.
Fonte: Viomundo
Comentários
Antigamente, o celular era tijolão, agora lá em casa cada um tem um smart phone, que entra até na internet. Eu respondi: amigo, isto foi por causa da evolução tecnológica, não tem nada a ver com a privatização. Ele disse: Tô vendo que você é contra a privatização. Eu respondi: Não, é porque esse tijolão (que foi o primeiro modelo no brasil), era de uma empresa privada, a motorola e esses smarts phones também são, o celular nunca foi estatal. Aí ele me disse: Pô você me convenceu.
**.rankbrasil.com.br*Recordes*Materias*06pw*Prim eiro_Celular_Comercializado_No_Brasil
A evolução do conhecimento científico e tecnológico, vai acontecer e acontece, independente de ideologia política. O que se precisa é de "vontade política" de fazer.
Essa tecnologia era para ser também desenvolvida em unidades de pesquisa integradas com a indústria, aqui no Brasil. Indútria e centros de pesquisa estabelecidos aqui, sejam de capitais nacionais ou internacionais. A Telebrás possuía uma formidável estrutura de pesquisa e desenvolvimento integrada com a indústria, a maioria delas hoje muito bem conhecidas do público usuário dos serviços de telecomunicações.
Problemas administrativos e burocráticos existiam, alguns operacionais como citado, mas eram para ser tratados e resolvidos, corrigidos, e não a liquidação e destruir todo um esforço de uma infraestrutura construída de material e de profissionais de telecomunicações, e que logrou integrar este País de regiões remotas.
Mas a democracia é saber respeitar até isso. Continuemos estudando, trabalhando e debatendo. Este é nosso papel. Continuemos lutando por um Brasil melhor, mesmo que não seja para nossa geração
Com o desmonte da Telebrás perdemos excelentes pesquisadores, e profissionais das diversas disciplinas componentes das telecomuniccações, radiopropagação, antenas, fibras ópticas, comuniccação por satélites, o projeto do satélite doméstico brasileiro ECO 7 que foi abandonado????, comunicação e fabricação cabos eletro-ópticossubmarinos etc. etc..., inclusive que foram utilizados na Bacia de Campos...
A Embratel, jóia das telecomunicações, que sempre teve excelentes administradores e presidentes, em geral com formação no IME, ITA, e funcionários*colaboradores de centros de formação de primeira linha como a PUC do Rio*CETUC, foi desmontada, vendida, revendida, dilapidada, com prejuízo de imóveis que pertenciam à União, e hoje, nem temos controle e segurança adequados sobre nossas comunicações oficiais via satélite brasileiro, Brasilsat.
CEGUEIRA IDEOLÓGICA É MUITO PIOR QUE BURRICE....
Somos quatro em minha casa, temos os quatro smartphones, três pré-pagos (meu e dos meninos) com plano de ligações ilimitadas para telefones da mesma operadora e 500 min para outras operadoras, e mais 3 Gb de internet (sem considerar whatsApp e alguns outros app), fora mensagens, etc...
Minha mulher ficou com o pós (mulher tem mais assunto mesmo, afinal, comanda a casa) com ligações ilimitadas para todas as operadoras e 30 Gb de internet, além de muitas outras coisas.
Temos hoje uma despesa total de R$ 120,00 com estes celulares e a um tempo atrás, negociei o valor da fatura do Pós que estava mais caro, simplesmente falando que iria trocar de operadora.
Pergunto, isso seria possível sem a privatização da telefonia?
Ótimo para você. Mas tentasse fazer isto na década de 80 ou até início da década de 90.
Simplesmente impossível, pois esta tecnologia não existia. Vocês teriam se muito uma linha telefônica fixa. Talvez em meados da década de 90, uma linha fixa do tipo sem fio.
O que a privatização tem a ver com a tecnologia, se nessa época isto não existia nem no exterior?
Devolvo-lhe a mesma pergunta. Com pouco tempo de estudo, o saldo das privatizações está aí para quem quiser conhecer. Para começar, leia O Brasil Privatizado, de Biondi, que nunca foi de esquerda.
E, em tempo, o fenômeno da popularização dos celulares não foi consequência da privatização mas da evolução tecnológica. Os grandes sistemas de transporte europeu são estatais e bem mais desenvolvidos que os nossos, todos privados
Essa turma que chora as privatizações esquece (ou omite de forma calhorda!) que foram criadas agências estatais reguladoras.
Se o serviço de telefonia é caro e de péssima qualidade, isso deve ser fiscalizado pela ANATEL.
Infelizmente isso não acontece pq essa estatal, como várias outras, deve ser outro cabide de emprego dos "concurseiros" de vida fácil.
Esse texto é mais um lixo, de um lixo de fonte chamada Viomundo!
Que as agências estão aí e não fazem o seu trabalho é um fato. E em qualquer governo.
Por fim, diz aí: e quando as estatais (brasileiras) são compradas por outras estatais (estrangeiras)???
O movimento em vigor em várias partes do mundo é de estatização. Público e privado têm os seus espaços e podem ser bons em cada um deles. Porém, ao contrário do que se prega hoje, a corrupção invade ambos os lados
Meu pai era pedreiro e minha mãe diarista, e nós tínhamos telefone em casa...
Devolvo a pergunta: Em que mundo tu viveste?
Meu pai era só um técnico químico, trabalhando com inspeção, e minha mãe uma professora de 1a a 4a. Tínhamos duas linhas, não pagávamos por minuto e meu pai tinha ações da Telerj. Assim como minha família, todos na minha rua tinham telefones próprios e só um vizinho tinha mais dinheiro, mesmo assim, era de classe média !
Quem fala que foi as doações podresve criminosas do dinheiro público (chamadas privatizações), pode até chamar os outros de calhordas, mas acredito que estaria atribuindo aos outros uma de suas sua qualidades mais proeminentes... Se assim o fizesse !
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