Em geral, as greves de caminhoneiros tendem a ser um exemplo bem característico desse quadro de confusão. Talvez a mais dramática de todas tenha sido a atuação dessa categoria no Chile, às vésperas do golpe que derrubou o governo de Salvador Allende.
Pesquisas de historiadores acabaram por confirmar a profunda articulação existente à época entre as lideranças do famoso “paro patronal” em outubro de 1972 e as forças organizadas pela CIA e os representantes da oposição burguesa e empresarial ao governo da Unidade Popular. Ao mesclar interesses de empresas de carga e proprietários autônomos de caminhões, aquela greve aprofundou um quadro de desabastecimento generalizado pelo país e contribuiu para ampliar a crise política que chegou ao assassinato do presidente eleito e a tomada do poder pelos militares.
Na nossa vizinha Argentina a categoria também é muito bem organizada e obtém sucessivas conquistas em função de sua capacidade de pressão sobre os governos. As mobilizações ocorrem com periodicidade quase anual e não costumam perdoar os ocupantes da Casa Rosada, seja Cristina Kirchner ou seja Macri, para falar apenas dos mais recentes.
Chile, Argentina, Brasil: caminhoneiros em ação
Ao longo dessa semana, o Brasil assiste a mais um capítulo de manifestações organizadas por entidades vinculadas ao setor de transporte de cargas por rodovias. A base objetiva para a ampla adesão ao movimento reside, obviamente, nas elevadas taxas de impopularidade do governo Temer e suas desastrosas opções de política econômica. No caso concreto, estamos falando da estratégia adotada para o setor da energia, em especial a conduta escolhida para a Petrobras.
Ao nomear o tucano Pedro Parente para o cargo de presidente do maior conglomerado empresarial brasileiro, Temer fez muito mais do que simplesmente agradecer de forma generosa pelos apoios emprestados pelo PSDB à sua empreitada para assumir o Palácio do Planalto, inclusive com o incentivo decisivo para o sucesso do “golpeachment”. A intenção maior era dar início ao processo de privatização dessa estatal gigante e que atua em área estratégica para a economia e a sociedade brasileiras. Assim, o novo dirigente começou a implementar, logo de início, um caminho de “desinvestimento” na empresa. Na verdade, um termo pomposo e enganador para o procedimento objetivo de venda de ativos do grupo estatal para o setor privado. Em português claro, o substantivo mais adequado para esse crime contra a economia nacional é privatização.
Além disso, foi conferida a Parente uma impressionante autonomia para gerir a mudança fatal no processo de exploração das reservas valiosíssimas do Pré-Sal. Atendendo a pleitos das grandes empresas petroleiras estrangeiras, o governo retirou a exclusividade da Petrobras para a tarefa de organizar a retirada do óleo e gás daquelas camadas profundas. Uma loucura! Afinal, trata-se de uma reserva potencial imensa e não há justificativa que apoie tal iniciativa que prejudica a inserção internacional do Brasil, compromete nossa segurança nacional e reduz de forma sensível o uso adequado dos recursos de tal exploração econômica em um Fundo Soberano para as futuras gerações.
Outra linha adotada pelo tucano refere-se ao reforço da narrativa demagógica de evitar o assim chamado “uso político” da Petrobras. Amparado no desgaste de imagem provocado pelos escândalos revelados pela Operação Lava Jato, o governo resolveu dar um verdadeiro cavalo de pau na política de preços praticados pela empresa. Isso significa a adoção de uma paridade automática com as variações do preço do petróleo no mercado internacional. Na prática, a Petrobras passou a aumentar os preços internos praticados nas refinarias apenas em função das mudanças externas.
Parente e o desmonte da Petrobras
A retórica utilizada para justificar essa mudança se apoiava no chamado “realismo tarifário” e na condenação da política anterior de contenção de aumentos nos preços dos derivados de petróleo para evitar contaminação inflacionária. No entanto, o fato concreto é que a Petrobras é uma empresa pública atuando em setor estratégico. Assim, nada mais compreensível que os governos democraticamente eleitos adotem políticas para ela. Por exemplo, não é razoável supor que a Petrobras siga de maneira cega ou ingênua as regras das empresas privadas do setor nem mesmo os seus critérios de lucro e retorno financeiro.
No entanto, o quadro havia mudado bastante desde quando FHC resolveu internacionalizar a empresa e quase conseguiu transformar seu nome em “Petrobrax”. Afinal, a prioridade absoluta de seu governo era atrair o interesse dos meios do financismo internacional para investir em papéis da nossa petroleira na Bolsa de Valores de Nova Iorque. Ao assumir esse compromisso, a partir daquele momento o governo brasileiro estava se sujeitando às regras desse tipo de mercado, onde o interesse único é a rentabilidade especulativa sobre o título e não a contribuição da empresa para o desenvolvimento econômico e social de nosso país.
Ao mudar a política de preços mais recentemente, Parente terminou por criar uma armadilha de médio prazo para o próprio governo Temer. Afinal, estava claro que os baixos preços do barril do petróleo seriam recuperados em algum momento futuro. Pois a fatura chegou. Em uma primeira fase, foram os sistemáticos reajustes no preço do gás de cozinha, que estão provocando um piora dramática nas condições de vida da maioria da população de baixa renda. Com o desemprego monumental e a redução dos salários, pesquisas indicam que teve início a substituição dessa fonte de preparação de alimentos por lenha nas cozinhas da população mais desprotegida. Uma loucura!
Gás de cozinha, gasolina, diesel: aumentos sem parar
Os aumentos frequentes nos preços de gasolina e diesel também passaram a pesar nas contas da classe média, além do impacto generalizado nos índices de inflação em razão do uso generalizado dessa fonte de energia pelo Brasil afora. E a população começou a perceber que a tal política de preços só operava para aumentos. Nas inúmeras ocasiões em que o preço do petróleo havia sido reduzido, os efeitos de queda jamais eram sentidos nos postos de gasolina.
Apesar de todas as evidências em contrário, o governo seguiu fazendo ouvidos moucos a tais reclamos generalizados de insatisfação com tal estratégia. A situação mudou a partir da semana passada. Com o forte simbolismo de cinco reajustes seguidos nos preços em uma única semana, o movimento dos caminhoneiros ganhou expressão nacional. E foi só a partir de tal pressão que Temer resolveu se mexer. Afinal, estão programadas eleições para o mês de outubro e os candidatos alinhados com o governo não querem saber de ainda mais novidades negativas para carregar como fardo pesado e incômodo em suas campanhas.
Assim, é bem provável que aquela bravata toda da “seriedade e competência” da área técnica em não ceder a pressões políticas seja abandonada. As trapalhadas todas de Trump na cena global têm contribuído para uma elevação dos preços do petróleo no mercado internacional. Se o governo Temer mantiver essa obstinação burra de manter a equiparação automática, é bem capaz de tenhamos uma explosão ainda mais acentuada aqui dentro.
Reajuste automático de preços: política burra.
Não faz sentido que o Brasil adote essa política que só se justifica para países que dependem totalmente do petróleo importado. No nosso caso, pelo contrário, somos auto suficientes graças à nossa grande produção interna. Ao longo de 2017, por exemplo, nosso saldo na Balança Comercial do óleo foi positivo em US$ 3,7 bilhões. Isso significa que exportamos mais do que importamos. O único raciocínio que pode explicar esse tiro no pé da duplinha Temer & Parente refere-se à preocupação com o investidor externo. Sim porque o detentor de ações pode considerar esquisito que a Petrobras deixe de ganhar ainda mais dinheiro com a alta nos preços do barril de petróleo praticada pelo cartel da OPEP. Afinal, isso representa menor valorização do papel nas bolsas e menor participação nos dividendos. Mas e daí?
Ora, estamos tratando de uma empresa pública e que deve atender prioritariamente aos interesses da maioria da população brasileira. O fundamental é que os resultados positivos de sua atividade econômica sejam utilizados para aumentar sua capacidade de produção interna, com mais investimentos. A remuneração dos lucros do acionista minoritário nas bolsas estrangeiras não pode ser o fator a determinar, por exemplo, a política de preços.
No entanto, por mais uma dessas ironias da História, Temer talvez seja obrigado a ceder ao movimento dos caminhoneiros. Depois de ignorar os pleitos generalizados por mudanças na política de desmonte na empresa, ele pode recuar frente ao poderoso lobby dos empresários da área de transportes. Felizmente no momento atual, os caminhoneiros terminam por verbalizar o sentimento generalizado de descontentamento popular com esse governo, que se desmancha um pouco mais a cada novo dia que passa.
(*) Doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal
Fonte: DCM
Comentários
Essa disparidade é por si só fator de sonegação, especialmente em postos fronteiriços entre Estados: o proprietário cobra combustível por um estado onde vigora alíquota mais alta e recolhe por outro, com alíquota mais baixa.
E quando o imposto é alto, assim como acontece como o cigarro, o contrabando, a falsificação por meio de “aditivos” ou “batizados” e a sonegação se multiplicam, porque a trapaça vale a pena.
*Deve se ressaltar que na porcentagem referente a Petrobras, a mesma já recolheu os Royalties para alguns estados. No meu modo de entender Royalties é um imposto, portanto deveria ser demonstrado a parte, e não ser absorvido pela Petrobras.
Portanto o imbróglio do preço dos combustíveis não está no custo do refino, mas sim nos tributos.
Eu tive que reler. Porque foi difícil acreditar que eu estava de fato lendo. Fico me perguntando quantas pessoas vão ler esse tipo de notícia e tomar isso como verdade! Assustador!! Mídia manipuladora!!!
Para quem tiver interesse em ler basta acessar o site da GAZETA DO POVO.
Eu não me lembro de protestos no tempo em que a PresidAnta Dilma segurou (eleitoreiramente) reajustes ajudando a empurrar a Petrobras para buraco de dívida SEMITRILIONÁRIA.
Também não me lembro de caminhoneiros procurando a população brasileira para dividir lucros que tiveram naquele tempo.
Mas agora, quando todo mundo sabe que petróleo valoriza-se em dólar e dólar valoriza-se em reais, vem aproveitadores de sempre querendo socializar "prejuízo" (que nem é prejuízo mesmo) depois de privatizarem lucro, né?
Mais uma vez perdeu a Petrobras que, mesmo se Governo ressarcir prejuízo (duvido), perde confiança do mercado. Perde também a população brasileira, que é quem pagará (de novo e sempre) pelas benesses concedidas a caminhoneiros.
Não faz muito tempo a Petrobras andou processando o sistema bancário por suposta interferência cambial, com sérios prejuízos a estatal. Não durou muito a observarmos no dia de hoje o contragolpe desferido pelo sistema bancário contra a estatal petroleira.
Mediante as declarações: "As regras do jogo mudaram", proferida pela equipe do Itaú BBA, um dos bancos que decidiram cortar recomendações de compra para o papel da Petrobras nesta quinta-feira, 24 faz todo sentido. Observando o fluxo de negócios no Bovespa no dia de hoje, as 15hs e 58 minutos, restando ainda uma hora para encerrar o pregão deparamos com a XP do Banco Itaú destacando na ponta compradora com saldo record na aquisição de PETR4. Adquiriu exatos 345 milhões dos cerca de 4 bilhões de reais negociados com o papel da Petrobras PETR4 (quase 10% no negócio da estatal ) que caiu em desgraça no dia de hoje.
Com já dito pela sabedoria popular: não tendo alternativa na Petrobras, Pedro Parente e séquito vão ter que aderir ao nariz de palhaço, colocar a viola no saco e partir definitivamente rumo a BRF que, deverá sofrer as consequências dessa decisão.
Em entrevista ao Broadcast, Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), vice-presidente do Senado, pediu que o presidente Michel Temer demita Parente imediatamente. Para o tucano, o executivo é arrogante por não querer rediscutir a política de preços dos combustíveis. Para o senador, em qualquer governo minimamente sólido, Parente já teria sido demitido.
Para a senadora Ana Amélia (PP-RS), o presidente da Petrobrás não tinha credibilidade para prometer redução de preços e deveria “pedir o boné”. Já José Maranhão (MDB-PB) declarou que Parente não tem poderes absolutos e que o acionista majoritário da Petrobrás é o povo brasileiro.
As respostas a essas perguntas aponta que não seria viável aumentar indefinidamente os combustíveis no Brasil no intuito exclusivo de equiparação ao mercado internacional e avanço cambial e não ter nenhuma consequência ao desprezar a realidade atual da economia brasileira. Demonstra ser uma decisão política desastrosa, perversa e burra, de forma que o resultado final não poderia ser outro.
Vai depois reclamar que déficit público da herança maldita do PT aumentou ou, na melhor das hipóteses, não diminuiu, que Brasil tem que imprimir dinheiro gerando dívida pública e inflação, vai reclamar de problema esquecendo que VOCÊ ajudou nas causas, vai ...
Observamos no dia de hoje os recibos de ações da Petrobras, as ADR’s despencarem mais de 10 % da bolsa de Nova York e concomitante queda acima de 15% no B3, em um único pregão, como resultado da nova política de reajustamentos na formação de preços dos combustíveis, informada por Parente e sua Diretoria, por ordenamento do governo Temer, na tentativa de acabar com a greve dos caminhoneiros que paralisa todo o Brasil.
Em um dado momento que antecedeu o falacioso resultado bilionário do derradeiro balanço da estatal, os tecnocratas da Petrobras acreditavam que poderiam ludibriar a todos com essa desastrosa política de formação de preços e entregar os melhores ativos da estatal a seus concorrentes, a preço vil, sem ter nenhuma consequência.
A ação dos caminhoneiros em paralisar todo um sistema de transportes de cargas e locomoção no Brasil, ainda que causando tanto transtorno a coletividade, era totalmente previsível e com pleno respaldo popular.
Afinal, o resultado da equação que resultou da absurda política na formação de preços dos combustíveis havia chegado ao valor limite em que o povo poderia suportar.
Neste sentido, o povo aderiu plenamente ao movimento em nome da própria sobrevivência, por estar direta ou indiretamente impactados pela absurda política de formação de preços dos combustíveis determinado por Temer e colocado em prática na Petrobras por Parente e séquito.