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Colunista Michael Roberts

O trabalho italiano

Data: 19/07/2017 
Fonte: Blog do Michael Roberts Autor: Michael Roberts - Tradução: Alex Prado

O governo italiano está gastando US $ 17 bilhões em dinheiro público (da "árvore do dinheiro mágico") para resgatar dois bancos venezianos. Os bancos não serão nacionalizados, mas, em vez disso, entregues ao Intesa Sanpaolo Spa, o maior banco da Itália, pela soma irreal de um euro! O Intesa garantirá os depósitos em dinheiro dos bancos venezianos, mas vai demitir vários milhares de funcionários dos bancos, enquanto obtém 900 novas agências e bilhões em garantias financeiras do governo. O Intesa assumirá todos os empréstimos de execução dos bancos venezianos, enquanto o Estado ficará com todas as dívidas incobráveis que deve ou cancelar ou tentar receber ao longo do tempo.


Então, mais uma vez, as atividades imprudentes de alguns bancos e a estagnação da economia que fizeram muitas empresas incapazes de pagar suas dívidas devem ser "resolvidos" pelo Estado. O resgate é equivalente a 1% do PIB da Itália, e a dívida do setor público já alcança 135% do PIB. O Intesa recebe alguns bancos limpos por apenas um euro, assim como o JP Morgan obteve a rede bancária da Bear Stearns no crash financeiro global por um dólar - tudo pago por impostos ou empréstimos do governo. O Estado e as pessoas não levam nada por seus 17 bilhões de euros.


O que é ainda mais irônico é que o acordo italiano rompe as próprias regras bancárias estabelecidas pelos governos da UE após o colapso financeiro global para evitar que os investidores bancários (detentores de títulos) sejam socorridos às custas dos contribuintes. De acordo com a Diretiva de Resgate e Resolução de Bancos (BRRD) da UE, esses resgates devem primeiro ser financiados pelos detentores de títulos bancários, incluindo os chamados títulos seniores, e somente depois disso, no extremo, por fundos da UE. Mas o Conselho de Resolução Única da UE aceitou, sob pressão do governo italiano, que não havia uma "crise bancária" real que exigisse intervenção da UE e que a Itália sozinha poderia dar conta.


Afinal, os bancos venezianos tinham apenas 2% do sistema bancário. Mas o que não foi levado em consideração foi a enorme perda de outros bancos italianos, como o Monte dei Paschi. Na verdade, a Itália tem 300 bilhões de euros em empréstimos inadimplentes em seus livros bancários, ou cerca de 20% do PIB. Uma resolução ao abrigo das regras da UE exigiria que a Itália encontrasse mais 12 bilhões de euros para o fundo de garantia de depósito do país. E UniCredit, Monte dei Paschi di Siena e UBI Banca teriam que fazer mais chamadas de capital, o afastaria os investidores.


O acordo foi mal visto pela Alemanha, já que ele burla as novas regras bancárias para torná-las irrelevantes - mas o chefe do BCE, Mario Draghi, é um italiano e ex-chefe do banco central da Itália. Para os alemães, é um sinal de que uma maior integração financeira na área do euro é impossível se os estados-nação quebram as regras de forma flagrante.


Politicamente, ajuda os democratas do centro-esquerda e seu líder Matteo Renzi  na disputa para recuperar seu cargo de primeiro-ministro em qualquer eleição que venha até maio. Se os bancos tivessem quebrados, os depósitos podem ter sido perdidos e os detentores de títulos liquidados - o que é eleitoralmente negativo, já que muitos detentores de títulos são pessoas de pequenas empresas persuadidas pelos bancos a investir em títulos bancários. A notícia do negócio foi recebida com êxtase pelo mercado acionário.


Assim, temos outro resgate bancário, nove anos desde o colapso financeiro global, que nacionaliza as perdas causadas pelos banqueiros e privatiza ganhos para os banqueiros restantes: exatamente o que as regras da União Bancária da UE deveriam evitar. Milhares de funcionários dos bancos ficarão sem trabalho; mas os investidores bancários estão rindo à toa, a caminho do novo banco. O Estado contrai mais dívidas e, assim, aumenta a pressão para introduzir mais austeridade para atender a dívida. E outros banqueiros sabem disso, se eles fizerem uma bagunça, eles podem escapar com um resgate do Estado e continuar como antes.


Não se pensou com este acordo que o povo,  através do Estado, poderia levar esses bancos (e os outros grandes bancos) à propriedade pública e fazer do banco um serviço público para famílias e pequenas empresas e não ser usado como veículos para especulação imprudente, ganância e corrupção. Pelo contrário, este trabalho italiano é um negócio como de costume.




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