relaciona-se intimamente ao controle, direto ou indireto, das principais fontes de petróleo e do fornecimento desse produto aos demais países capitalistas.
O Acordo da Linha Vermelha, também chamado de Acordo de Achnacarry – devido ao castelo de Achnacarry, na Escócia, onde foi assinado em 17 de setembro de 1928 – correspondeu ao Tratado de Tordesilhas do petróleo.
Ele estabeleceu a divisão desse bem, ao longo das fronteiras do antigo Império Otomano incluindo as possessões britânicas à exceção do Kuwait, entre um cartel formado pelas principais companhias petroleiras existentes, conhecidas como Sete Irmãs: Standard Oil of New Jersey, Standard Oil of New York (Socony), Standard Oil of California (SoCal), Gulf Oil, Texaco, Shell e Anglo-Persian.
Estas empresas passaram a comandar o mercado mundial de petróleo e fixar os preços através de um sistema de cotas com base no percentual de vendas de cada empresa naquele ano. O objetivo era manter o peso relativo das principais petroleiras e evitar a queda do preço do petróleo, que poderia advir da recente descoberta de novas jazidas no Texas.
O Acordo praticamente neutralizou a autonomia dos governos nacionais, da área do Golfo Pérsico, impossibilitando revisar os contratos para que seus países obtivessem maiores ganhos com o petróleo. Além disso, abriu as portas para maior penetração dos EUA na região, historicamente sob controle britânico.
No entanto, os países do Golfo Pérsico haviam firmado com a Grã-Bretanha, antes da I Guerra Mundial, a “cláusula da nacionalidade inglesa” que, embora tivesse em vista, em um primeiro momento, impedir o acesso alemão ao Golfo Pérsico, depois obstou o estadunidense. Após negociações diplomáticas tensas e complexas entre EUA e Grã-Bretanha, a cláusula foi abolida em 1932, o que abriu espaço para maior participação dos EUA.
O país norte-americano encontrava, cada vez menos, novos campos de petróleo em seu próprio território e buscou expandir sua atuação em áreas até então dominadas pela Grã-Bretanha. Em 1938, o início da produção de petróleo na Arábia Saudita pela SoCal e pela Texaco, formadoras da California-Arabian Standard Oil Company (fundada em 1933), significou que os EUA assumiam um papel mais central no Oriente Médio e reduziam o protagonismo britânico.
Na II Guerra Mundial, os EUA, que até então não dispunham de presença militar na região, empreenderam-na a fim de proteger as possessões da Grã-Bretanha e evitar a ofensiva do Eixo e da URSS sobre ela. Como o petróleo tornou-se altamente estratégico para a segurança e o desenvolvimento nacionais dos EUA, aumentou o seu interesse em explorar as jazidas do Golfo Pérsico.
A aliança entre as corporações privadas estadunidenses e aquele Estado Nacional foi alçada a um patamar ainda maior. Apoiadas pelo governo Truman e pelo rei saudita Ibn Saud, as petroleiras estadunidenses romperam o Acordo da Linha Vermelha e, desse modo, a Jersey e a Socony puderam se associar à SoCal e à Texaco para explorar o petróleo saudita, o que se efetivou em 1948.
A descoberta e a exploração das gigantescas reservas de petróleo do Oriente Médio, principalmente na Arábia Saudita, deslocaram o eixo de produção do Caribe para aquela região.
Em 1940, os EUA produziam cerca de 63% do petróleo mundial e o Oriente Médio apenas 5%. Em 1951, os EUA produziam cerca de 53% e o Oriente Médio, 16%, sendo que, nesse mesmo ano, 52% das reservas comprovadas estavam no Oriente Médio e apenas 27% nos EUA.
Na Europa, onde o carvão era crescentemente substituído pelo petróleo, a inversão foi mais drástica: em 1946, 77% do petróleo consumido na Europa provinham dos EUA e da América Latina e, em 1951, mais de 80% passou a provir do Oriente Médio. Os EUA se tornaram importadores de petróleo após a II Guerra, o que impulsionou suas empresas ao exterior. O controle exercido pelos EUA na produção e no fornecimento de petróleo aos países europeus constituiu um dos pilares da hegemonia estadunidense sobre o velho continente no pós-guerra.
Outro episódio que aprofundou a participação dos EUA no mercado mundial de petróleo e, em particular, sua presença no Oriente Médio, foi o golpe contra o primeiro-ministro nacionalista iraniano Mohammed Mossadegh, ocorrido em 1953. Após nacionalizar o petróleo iraniano, até então sob controle monopolista da Grã-Bretanha pela estatal British Petroleum (BP) e principal fonte de abastecimento petrolífero britânico, Mossadegh tornou-se o maior alvo britânico. Incapaz de derrubá-lo sozinho, a Grã-Bretanha precisou convencer o presidente estadunidense Dwight Eisenhower a participar do golpe contra Mossadegh. A Operação Ajax, coordenada pela CIA e pelo SIS (serviço secreto britânico) foi deflagrada no início de 1953 e depôs Mossadegh, pelo que hoje seria chamado de “revolução colorida”. Esse golpe serviu de modelo para outros que foram posteriormente aplicados pelos EUA.
Imediatamente após o golpe, a nacionalização iraniana foi revertida. Porém, pela liderança dos EUA no golpe, a Grã-Bretanha perdeu o monopólio que antes possuía. Aquele petróleo foi repartido entre um consórcio das principais potências capitalistas e suas maiores empresas de petróleo, entre elas todas as “sete irmãs”. A Grã-Bretanha (BP) e os EUA (Gulf, Texaco, Standard Oil of New Jersey, Standard Oil of New York e Standard Oil of California) ficaram com 40% das ações cada, a Holanda (Royal Dutch Shell) com 14% e a França (CFP) com 6%. Os lucros foram repartidos na base 50/50, porém os livros da empresa foram vetados aos iranianos e não era permitido haver diretores nativos.
Os EUA aumentavam sua presença no Oriente Médio e, com o acesso fácil ao petróleo iraniano e as novas descobertas petrolíferas na Arábia Saudita e no Kuwait, mantiveram o preço do barril em níveis baixos até o choque do petróleo em 1973. O petróleo barato foi um dos principais sustentáculos do rápido crescimento econômico e da melhoria do padrão de vida no centro capitalista e até mesmo no Brasil (vítima de golpe semelhante em 1964), mesmo importador de petróleo cru e derivados.
Ainda mais, a apropriação direta do petróleo iraniano pelas corporações estadunidenses e o consequente aumento das transações mundiais de petróleo em dólar levaram ao fortalecimento do setor financeiro sediado em Nova Iorque, crescentemente ligado ao petróleo.
Uma onda de fusões e de cartelização, por volta de 1955, levou à maior concentração do setor bancário nas mãos dos grupos associados à exploração do petróleo, sobretudo ao grupo Standard Oil, e que haviam aumentado seu poder com o golpe contra Mossadegh.
A inundação de petróleo barato levou, entretanto, a pressões protecionistas nos países centrais. Vários países europeus taxaram a importação de petróleo para proteger as suas respectivas indústrias carvoeiras, e os EUA, em 1958, estabeleceram cotas de importação para protegerem o setor petroleiro doméstico. Em razão disso, as empresas desses países reduziram os posted prices (preços-base para o cálculo de impostos) para diminuírem o total pago aos países anfitriões.
No bojo desta política imperialista, a BP, em 1959, reduziu em 10% o preço do barril do petróleo para prejudicar a URSS, que voltou a exportar petróleo para o Ocidente em 1955 e teve um aumento expressivo nas suas vendas em 1958.
A insatisfação gerada entre os países produtores de petróleo pela redução unilateral do preço levou-os a se organizarem na OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo). Criada em 1960 para contrabalançar o cartel das Sete Irmãs, para aumentar o poder de barganha e a parte dos países anfitriões na divisão da receita obtida com o petróleo e para elevar a nacionalização da indústria petroleira. Tamanho foi o impacto da OPEP na redefinição da geopolítica do petróleo que, antes mesmo da “crise do petróleo” de 1973, o preço do barril aumentava continuamente.
Entre 1969 e junho de 1973, quatro meses antes da crise, o preço passou de US$1,27 para US$2,90, ou seja, um aumento de 128%.
A Crise do Petróleo, em 1973, foi detonada quando os países-membros da OPEP, em retaliação aos países aliados de Israel na Guerra do Yom Kippur, usaram a “arma do petróleo” e elevaram o preço do barril em 400%, de cerca de US$3 para US$12, entre outubro de 1973 e março de 1974.
Curiosamente, a medida, na prática, sustentou o dólar como padrão monetário internacional. Desde 1971, quando Richard Nixon - assessorado por executivos do Chase Manhattan Bank e da Standard Oil of New Jersey - suspendeu unilateralmente a conversibilidade do dólar em ouro e impôs o padrão-dólar sem lastro em ouro, o petróleo árabe, bem como a proeminência militar dos EUA, tornou-se o lastro informal do dólar.
O aumento dos rendimentos dos países da OPEP, de US$23 bilhões em 1972 para US$140 bilhões em 1977, retornou aos centros capitalistas pela reciclagem desses “petrodólares” nas praças financeiras de Nova Iorque e Londres, ativando ainda mais a especulação financeira destravada pela decisão de Nixon em 1971 e fortalecida pelas relações com a indústria do petróleo nas décadas anteriores; em razão do vultoso aumento das importações desses países e, também, pelos investimentos em empresas e imóveis feitos pelos países árabes e pelo Irã nos EUA e na Europa ocidental.
Entretanto, não tardou a reação das potências capitalistas, cujo suprimento de petróleo havia sido seriamente atingido. Os EUA, principalmente, não admitiriam ser desafiados no acesso ao petróleo do Oriente Médio, recurso crucial para a sua hegemonia geopolítica e geoeconômica.
Em fevereiro de 1974, os países desenvolvidos criaram a Agência Internacional de Energia (AIE) para contraporem-se em bloco à OPEP. A principal decisão tomada foi a de estabelecer os “estoques estratégicos”, ou seja, reservas de petróleo a serem usadas em momentos de emergência.
Mais importante, ainda, foi a enunciação, no início de 1980, da chamada Doutrina Carter, como veio a ser conhecida a postura dos EUA para com o Golfo Pérsico, proclamada por Jimmy Carter no início de 1980 e formulada por Zbigniew Brzezinski, Conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos em seu governo. Segundo essa concepção, o Golfo Pérsico era visto como sendo de “interesse vital” para os EUA que admitiam o uso de “todos os meios necessários, inclusive a força militar” para proteger seus interesses na região.
A Guerra do Golfo, em 1990-1991, foi uma efetivação em grande escala da Doutrina Carter, aprofundando, por meio de guerra aberta e total contra o Iraque, o envolvimento militar e econômico dos EUA no Golfo Pérsico. O principal motivo foi a disputa entre EUA e Iraque pelo controle das reservas de petróleo no Kuwait, com a vitória cabendo ao primeiro. A Doutrina Carter foi então aprofundada na chamada Doutrina Bush, referente à orientação do governo de George W. Bush, que fortaleceu a relação entre segurança nacional e energia, entre a estratégia militar e o controle do petróleo e dos suprimentos de petróleo no Golfo Pérsico.
Além disso, a entourage neoconservadora de Bush, que sintetizou sua visão no Relatório Baker/Council on Foreign Relations de 2002, avaliava que, em 2010, os EUA precisariam de cerca de 50 milhões de barris adicionais por dia (segundo o futuro vice-presidente Dick Cheney, ainda como presidente da Halliburton, em 1999) e que a escassez de petróleo agravava-se com a capacidade ociosa da OPEP, que caiu de 25% da demanda global, em 1985, para 2%, em 2001.
A Guerra do Iraque, iniciada em 2003, foi a realização da Doutrina Bush, visando abrir as jazidas de petróleo iraquianas à exploração das empresas estadunidenses.
Em vista da centralidade do petróleo para os estrategistas da segurança nacional dos EUA, não é surpreendente que, com a descoberta do pré-sal no Brasil, com reserva comprovada de cerca de 40 bilhões de barris de petróleo e gás natural e reserva potencial de 176 bilhões de barris, nosso País tenha se tornado, tal como o Golfo Pérsico, alvo de intervenção estratégica dos EUA.
A revolução colorida de 2013 (na esteira das “primaveras árabes” que, no caso da Líbia, levou ao esfacelamento do país e a uma invasão militar da OTAN também com o claro objetivo de controle do petróleo), a Lava-Jato e o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff não tiveram outro objetivo que não o de aprofundar a alienação, já em curso, dos recursos estratégicos do Brasil, em particular o petróleo do pré-sal, para corporações estrangeiras, sobretudo dos EUA ou de países a ele aliados. Não cabe meio-termo: ou o nosso petróleo será de fato nosso ou será dos EUA. A primeira alternativa é o caminho da soberania e do desenvolvimento. A segunda é o do neocolonialismo e da escravidão.
Felipe Maruf Quintas é Doutorando em Ciência Política pela UFF
Especial para a AEPET
Referências:
ENGDAHL, William. A Century of War: Anglo-American Oil Politics and the New World Order. Wiesbaden: Progressive, 2011.
FUSER, Igor. Petróleo e Poder: o envolvimento militar dos Estados Unidos no Golfo Pérsico. São Paulo: Ed. Unesp: Programa San Tiago Dantas de Pós-Graduação em relações Internacionais da Unesp, Unicamp e PUC-SP, 2008.
YERGIN, Daniel. The Prize: The Epic Quest for Oil, Money & Power. Nova Iorque: Free Press, 2009.
Comentários
Para alguém que prometeu "...destruir a tese do articulista..." "em 1000 caracteres", depois de consumidos vários espaços de comentários e muitos milhares de caracteres, tudo o que se pode dizer do arrazoado do Roldão é que Alberto Diniz está certo: baboseira e alienação dirigida.
"...o petróleo não é tão estratégico assim para os EUA" e a presença dos EUA no Oriente Médio é fruto da "conjuntura de guerra ao terror"...quanta besteira.
O terror em solo dos EUA (11*set*2001) só aconteceu como resultados de DÉCADAS de interferência dos EUA no Oriente Médio, desde 1953, quando apoiou a instalação da ditadura do xá Reza Pahlev no Irã, em conjunto com o Reino Unido, como reação à nacionalização da Anglo-Iranian Oil Company pelo congresso iraniano.
De lá para cá todas as ações dos EUA no Oriente Médio foram para garantir controle do fornecimento de petróleo.
O resto é besteira pura.
Fico imaginando a lavagem cerebral que esse autor passou fazendo doutorado na UFF, ainda mais em Ciências Políticas....um LIXO de artigo!!!
- Tanto os EUA preferem proteger sua indústria que sempre foi um dos países mais protecionistas do mundo, a proporção do seu comércio no PIB é uma das menores entre os países desenvolvidos (o que é bom para um país continental, com muito espaço e gente para prroduzir internamente) e o governo Trump está cumprindo todas as suas promessas protecionistas e antimercado. Se os EUA não tivessem sua indústria, eles não teriam nenhum "bem estar".
- Os EUA sempre se incumbiram de defender militarmente suas empresas de petróleo e de intervir pela força para assegurar o acesso e o abastecimento desse produto. É isso o que o artigo prova.
Israel e Estado Islâmico foram criados pelos próprios EUA (com a ajuda da Europa ocidental) para assegurar sua influência geopolítica na região e derrubar governos nacionalistas. Quem mais combate o ISIS são a Rússia e o governo sírio, hostilizados pelos EUA. A Rússia é o principal contendor dos EUA na região, que por ter muito petróleo, precisa, para os EUA, estar longe da influência russa. EUA não estão lá por capricho mas por necessidade de manter seu Império.
Daria um excelente filme.
Mas quando li que o górpi na Dilma foi para os EEUU tomarem conta do nosso petroleo acho que foi esquecido que foi esta Sra.que entregou Libra.
Ou seja não seria necessário o impeachment.